Introdução à Oração do Coração
Nenhuma relação autêntica entre as pessoas, pode existir sem liberdade mútua e espontaneidade, e este é o caso da oração. Não existem regras fixas para aqueles que buscam orar; e não há nenhuma técnica mecânica, física ou mental, que possa obrigar Deus a manifestar a sua presença. Sua graça é concedida sempre como um dom gratuito, e não pode ser adquirida automaticamente por qualquer método ou técnica.
No entanto, a "Oração de Jesus", também chamada "Oração do Coração", tornou-se para muitos cristãos orientais ao longo dos séculos, o caminho normal, e não para os cristãos orientais somente: no reencontro entre a Ortodoxia e o Ocidente, que floresceu novamente desde o início do século 20, provavelmente nenhum elemento na herança Ortodoxa tem despertado um interesse tão intenso como a "Oração de Jesus", e nenhum livro exerceu um apelo mais amplo do que "Relatos de um Peregrino Russo", em que um peregrino se pergunta qual é o significado da exortação do Apóstolo Paulo: "Orai sem Cessar" (I Ts 5:17), e é levado ao conhecimento interior desta oração.
A provável origem da oração é o Deserto Egípcio; dizeres de Evágrio apontam para este lugar. Mas onde está o recurso distintivo e eficácia da "Oração de Jesus"?
Talvez em quatro coisas acima de tudo:
- Em sua Simplicidade e Flexibilidade;
- Na sua Integralidade;
- No Poder do Nome; e
- Na Disciplina de Repetição.
1. Simplicidade e Flexibilidade
A invocação do nome é uma oração de extrema simplicidade, acessível a todos os cristãos, mas conduz ao mesmo tempo aos mais profundos mistérios da contemplação. Nenhum conhecimento ou formação especializada é necessária para iniciar a Oração de Jesus. Basta começar. Comece a pronunciá-la com adoração e amor. Apegue-se a ela. Repita-a devagar, suave e silenciosamente.
A forma exterior da oração é facilmente aprendida. Basicamente, consiste nas palavras "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim". Não há, no entanto, uma uniformidade rigorosa.
Podemos dizer "...tende misericórdia de mim", por exemplo. A fórmula verbal pode ser encurtada: "Jesus, tem piedade de mim", ou "Senhor Jesus", ou "Jesus, tem misericórdia" ou até mesmo "Jesus" apenas.
Alternativamente, a forma das palavras pode ser expandida adicionando um "pecador", no final, o que evidencia o aspecto penitencial. Teologicamente, a Oração de Jesus pode ser considerada como uma extensão da lição ensinada pela parábola do publicano e o fariseu, em que o fariseu demonstra a maneira imprópria para orar ao exclamar: "Obrigado, Senhor, porque que eu não sou como o publicano ", enquanto que o publicano ora corretamente em humildade, dizendo "Senhor, tem piedade de mim, pecador" (Lc. 18: 10-14).
Podemos também acrescentar à fórmula, recordando a confissão de Pedro na estrada para Cesaréia de Filipe, "Filho do Deus vivo". O único elemento essencial e invariável é a inclusão do nome divino "Jesus". Cada um é livre para descobrir através da experiência pessoal a forma particular de palavras que corresponde melhor às suas necessidades e toca mais fundo seu coração. Entretanto, alguns Pais do Deserto aconselham aos iniciantes que, após escolher a forma particular da oração que mais lhes toca, permaneçam com ela e não troquem.
Há uma flexibilidade semelhante no que diz respeito às circunstâncias externas em que a oração é recitada. Duas formas de utilizar a oração podem ser distinguidas, a "livre" e da maneira "formal".
Pelo uso "livre" se entende a recitação da Oração quando estamos envolvidos em nossas atividades habituais durante todo o dia. Parte do valor distintivo da Oração de Jesus reside precisamente no fato de que, devido à sua simplicidade radical, pode ser repetida em condições de distração, onde outras formas mais complexas de oração são impossíveis. Este uso "livre" da Oração de Jesus nos permite fazer a ponte entre os nossos "momentos de oração" regulares e as atividades normais da vida diária.
"Orai sem cessar", São Paulo insiste (I Ts. 5:17): mas como isso é possível, uma vez que temos muitas outras coisas para fazer também?
São Teófano indica o método em sua máxima:
"As mãos no trabalho, a mente e o coração com Deus".
A Oração de Jesus, quando pela repetição, torna-se freqüente e habitual, nos ajuda a permanecer na presença de Deus onde quer que estejamos, não só na capela ou na solidão, mas na cozinha, na fábrica, no escritório, ou no carro. E, novamente, a simplicidade da oração e suas poucas palavras a torna muito acessível em tempo de trabalho, especialmente o trabalho manual.
A recitação "livre" da Oração de Jesus é complementada e reforçada pela prática "formal". Neste segundo caso, concentramos toda a nossa atenção exclusivamente nas palavra da oração, com a exclusão de toda a atividade externa. Faz parte do "tempo de oração" específico que separamos por e para Deus a cada dia.
Na prática "formal", como na "livre", não há regras rígidas, mas variedade e flexibilidade. As palavras podem ser ditas em voz alta, em silêncio, ou sussurrando. Nenhuma postura particular é essencial. No hesicasmo, a oração é mais normalmente praticada quando sentados, mas também pode ser dita em pé ou de joelhos e até mesmo, em casos de fraqueza física e da doença, quando deitados. É normalmente recitada em mais ou menos completa escuridão ou com os olhos fechados.
O cordão de oração ou rosário (komboskini em grego, chotki em russo), normalmente com uma centena de nós, muitas vezes é empregado em conjunto com a oração, não somente com o propósito de contar o número de vezes que a oração é repetida, mas sim como uma ajuda na concentração e o estabelecimento de um ritmo regular. É um fato de experiência que, se fizermos algum uso de nossas mãos quando orarmos, isso vai nos ajudar a acalmar e relaxar o nosso corpo e a nos aprofundarmos no ato da oração.
O elemento mais importante da técnica física é certamente o controle da respiração. A respiração é para ser feita mais lenta e, ao mesmo tempo coordenada com o ritmo da oração. Normalmente, a primeira parte: "Senhor Jesus Cristo", é dita enquanto inspiramos o ar, e a segunda parte, "tem piedade de mim, pecador", enquanto expiramos.
2. Integralidade
Teologicamente, como o peregrino russo afirma, com razão, a Oração de Jesus "encerra em si toda a verdade do Evangelho"; é um "resumo do Evangelho". Em uma breve frase ela incorpora os dois principais mistérios da fé cristã, da Encarnação e da Trindade. Ela fala, em primeiro lugar, das duas naturezas de Cristo, o Deus-homem: a sua humanidade, pois ele é chamado pelo nome humano, "Jesus"; de sua eterna divindade, pois ele também é chamado de "Senhor" e "Filho de Deus".
Em segundo lugar, a Oração fala por implicação, ainda que não explicitamente, das três Pessoas da Santíssima Trindade. Ainda que enderessada à segunda Pessoa, Jesus, ela também aponta para o Pai, porque Jesus é chamado de "Filho de Deus"; e o Espírito Santo está igualmente presente na oração, pois ninguém pode dizer "Senhor Jesus", a não ser no Espírito Santo (I Cor.12:3). Assim, a Oração de Jesus é tanto Cristocêntrica como Trinitária.
Devocionalmente, não é menos abrangente. Ela abrange os dois "momentos" do culto cristão: o "momento" da adoração, de olhar para a glória de Deus estendendo a mão para Ele, em amor; e o "momento" da penitência, o sentimento de indignidade e pecado. Há um movimento circular dentro da Oração, uma sequência de subida e de retorno.
Na primeira metade da oração nos elevamos à Deus: "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus"; e, em seguida, na segunda metade, voltamos para nós mesmos em compunção: "de mim, pecador". Estes dois "momentos", a visão da glória divina e a consciência humana do pecado, estão unidos e reconciliados em um terceiro "momento" quando pronunciamos a palavra "piedade" ou "misericórdia".
"Misericórdia" indica a superação do abismo entre a justiça de Deus e a criação caída. Aquele que diz a Deus: "tem piedade" ou "tem misericórdia", lamenta sua própria impotência, mas clama ao mesmo tempo com um grito de esperança. Ele fala não só do pecado, mas de sua superação. Ele afirma que Deus em sua glória nos aceita embora sejamos pecadores.
Assim, a Oração de Jesus não só contém uma chamada ao arrependimento, mas a garantia de perdão e restauração. O coração, o centro da oração - o nome de "Jesus" - carrega precisamente o sentido de salvação.
Para entender por que a Oração de Jesus possui tal eficácia, devemos nos voltar ainda para outros dois aspectos: "O Poder do Nome" e "A Disciplina da Repetição".
3. O Poder do Nome
No Antigo Testamento, há uma estreita ligação entre a Alma e o Nome de uma pessoa. Personalidade, peculiaridades e energia, estão de certa forma presentes em um nome. Conhecer o nome de uma pessoa significa obter um insight sobre sua natureza, e, assim, estabelecer um relacionamento com ela, até mesmo, talvez, um certo controle sobre essa pessoa.
Na tradição hebraica, fazer algo em nome do outro, ou invocar o seu nome, são atos de peso e potência. Invocar o nome de uma pessoa é fazer com que essa pessoa esteja efetivamente presente. Tornamos um nome "vivo" por mencioná-lo.
Tudo o que é verdadeiro sobre nomes humanos, é verdadeiro, em um grau incomparavelmente mais elevado, sobre o Nome Divino. O poder e a glória de Deus estão presentes e ativos em seu Nome. Invocar atentamente e deliberadamente o Nome de Deus é colocar-se em Sua Presença, abrir-se à Sua Energia, para oferecer-se como um instrumento e um sacrifício vivo em suas mãos.
Esta compreensão hebraica do nome passa do Antigo Testamento para o Novo. Demônios são expulsos e pessoas são curadas através do Nome de Jesus, pois nome é poder.
"Não há nenhum outro nome debaixo do céu dado aos homens pelo qual devamos ser salvos", escreve Pedro (At 4:12).
É essa reverência bíblica para com o nome que constitui a base e o fundamento da Oração de Jesus. O Nome de Deus está intimamente ligado à sua Pessoa, e por isso a invocação do Nome Divino possui um caráter sacramental, servindo como um sinal eficaz da sua presença invisível e ação. Para aquele que crê, hoje, como nos tempos apostólicos, o Nome de Jesus é poder. Nas palavras dos dois Sábios de Gaza, São Barsanúfio e São João (século VI),
"A Lembrança do Nome de Deus destrói completamente tudo o que é mal."
"Açoite seus inimigos com o Nome de Jesus", exorta São João Clímaco, "pois não há arma mais poderosa no céu ou na terra. Deixe que a Lembrança de Jesus esteja unida a cada respiração, e então você conhecerá o valor do silêncio.''
4. A Disciplina da Repetição
O Nome é poder, mas "uma repetição puramente mecânica" não vai, por si só, alcançar nada. A Oração de Jesus não é uma fórmula mágica. Como em todas as operações sacramentais, a pessoa humana é obrigada a cooperar com Deus através da fé ativa e esforço ascético. Somos chamados a invocar o Nome com recolhimento e Vigilância Interna, limitando nossas mentes às palavras da Oração, conscientes D'Aquele que estamos invocando, e que responde a nós em nosso coração.
Isto não é fácil nos estágios iniciais, e é descrito pelos Pais do Deserto como um martírio escondido. São Gregório do Sinai fala várias vezes do trabalho realizado por aqueles que seguem o Caminho do Nome, e que é necessário um "esforço contínuo"
Somente através do "esforço paciente e contínuo" descobriremos o verdadeiro poder do Nome. Esta perseverança fiel assume a forma, acima de tudo, de repetição Atenta e Frequente.