A Arte da Nepsis, ou a Arte da Sobriedade e Vigilância
Estar só, em uma cela ou quarto com as portas fechadas não constitui quietude. Tampouco evitar o falar não constitui silêncio. Ambos, quietude e silêncio, são estados internos que pressupõem paz de espírito e tranquilidade de pensamentos.
Muitas vezes, as pessoas que estão sozinhas e prestes a orar encontram tumulto e caos em suas mentes. Embora digam orações com a boca, sua mente se afasta ao longe em distrações.
A razão dessa distração, dizem os antigos Padres, é que a pessoa humana é incapaz de controlar seus pensamentos, ou as diferentes imagens e fantasias que aparecem na mente. Para controlar seus pensamentos, a pessoa deve aprender a arte da nepsis (estar em alerta, atenção plena, vigilância, auto-observação). Isso se baseia no entendimento de que todo pensamento captura a mente humana gradualmente.
O pensamento na mente passa por vários estágios de desenvolvimento:
- O primeiro estágio é chamado de "assalto", que é uma concepção simples, ou uma aparição repentina de algo na mente, uma imagem ou idéia que vem de fora.
- O segundo estágio é "conversar", ou "conversa": a mente entra em diálogo com o pensamento. Esse diálogo pode se tornar uma "luta", quando a mente se opõe ao pensamento ofensivo e o rejeita ou aceita.
- O terceiro estágio é chamado de "cativeiro": é a aceitação do pensamento pela mente, é "um estupro forçado e involuntário do coração, ou uma identificação, uma associação permanente com o que foi encontrado".
- O último estágio do desenvolvimento do pensamento é a "paixão": é "aquela que por muito tempo se aninha com persistência na alma, formando um hábito, por assim dizer, pela associação de longa data da alma com ela, já que por sua própria livre escolha se apega a ela."
Toda paixão começa com um pensamento pecaminoso: "Nenhuma nuvem se forma sem um sopro de vento; e nenhuma paixão nasce sem um pensamento." A queda de Eva é interpretada por São Filareto de Moscou, em termos da aceitação de um pensamento e de sua gradual transformação em paixão, vejamos:
"...Quando a mulher viu que a árvore era boa para comer e que era um deleite para os olhos, e que se desejasse a árvore se tornaria sábia, ela pegou seu fruto e comeu."
"Viu" é um assalto de um pensamento (primeiro estágio); "Era boa" e "Era um deleite" são conversas e lutas com o pensamento (segundo estágio); "Se desejasse" é uma aceitação do pensamento, Eva sendo cativada por ele (terceiro estágio); "Pegou e comeu" é paixão, quando o pensamento é realizado e colocado em prática (último estágio).
"Uma disposição pecaminosa da alma", diz São Filareto, "começa com os poderes do intelecto sendo orientados em uma direção errada... A multiplicidade dos próprios desejos, que não estão centrados na vontade de Deus, está ligada ao desvio da pessoa da unicidade da verdade divina para a multiplicidade de seus próprios pensamentos."
Em outras palavras, distração é desvio da simplicidade primordial e do estado de unificação em multiplicidade e complexidade. Distração é uma consequência da queda. A aceitação da mente dos pensamentos pecaminosos é uma doença e um pecado da mente, um "adultério mental" do intelecto.
A arte da nepsis é a capacidade da pessoa humana de "não se identificar com", "de recusar o" pensamento pecaminoso no exato momento de sua primeira aparição na mente, antes de se tornar uma paixão.
"O início da oração", diz São João Climacus, "consiste em banir por um único pensamento os pensamentos que nos assaltam no exato momento em que aparecem".
Segundo São Hesíquios, o sacerdote:
A ciência das ciências e a arte das artes é o domínio dos maus pensamentos. A melhor maneira de dominá-los é ver com visão espiritual (vigilância, auto-observação) a fantasia na qual a provocação demoníaca está oculta e proteger a mente dela. É exatamente igual à maneira como protegemos nossos olhos corporais, olhando atentamente para nós e fazendo tudo o que podemos para impedir que qualquer coisa, por menor que seja, os atinja.
Os maus pensamentos devem ser "observados" e "enfrentados". Portanto, a oração não é apenas um diálogo pacífico com Deus, mas também um trabalho pesado, uma luta pela pureza da mente. Quem ora deve estar sempre atento ao seu intelecto, memória e fantasia.
Tente deixar seu intelecto surdo e mudo durante a oração; então você poderá orar...
Quando orar, observe atentamente a sua mente, para que ela não o distraia... Pois, por natureza, o intelecto é capaz de ser levado pelas lembranças durante a oração.
Enquanto você está orando, a memória traz à sua mente fantasias de coisas passadas, ou de preocupações recentes, ou do rosto de alguém que o irritou. Nossos demônios interiores sentem muita inveja de nós quando oramos e usam todo tipo de truque para frustrar nosso propósito. Portanto, eles estão sempre usando nossa memória para despertar pensamentos de várias coisas e nossa carne para despertar as paixões, a fim de obstruir nosso caminho de ascensão a Deus...
Permaneça em guarda constante e proteja seu intelecto dos pensamentos, quando ora e em todos os outros momentos de sua vida.
A nepsis, sobriedade e vigilância, constitui um método espiritual que, com a ajuda de Deus, liberta inteiramente o homem dos pensamentos e das palavras apaixonadas e também das más ações, se for praticada por um bom tempo e arduamente. Ela fornece também, na medida do possível, um conhecimento seguro de Deus o Incompreensível, e abre os mistérios divinos e ocultos. Ela conduz ao cumprimento de todos os mandamentos de Deus, do Antigo e do Novo Testamento, e propicia todos os bens do século futuro. Ela consiste propriamente na pureza do coração, a qual, por causa de sua grandeza e de sua beleza (ou mais exatamente devido à nossa negligência), é tão rara entre os monges hoje em dia. É ela que Cristo beatificou quando disse: "Bem-aventurados os puros de coração, pois eles verão a Deus". Tal é a sua eminência. Ela se adquire a um alto preço. Praticada longamente, ela se torna um guia que nos conduz à via direita e que agrada a Deus. - Filocalia