Aprendendo a Morrer
São Silouan, o Atonita, diz: "Não murmureis, ó filhos de Deus, porque vós achais a vida difícil. Lutem apenas com o pecado...", e verdadeiramente, a nossa vida é difícil, porque procuramos uma forma de redimi-la da maldição da morte.
Nossa estada nesta terra é um tempo concedido para aprendermos como morrer, mas, infelizmente, nada que aprendemos nesta vida nos permite lidar com o fim. A nossa geração aprendeu a confiar no seu próprio intelecto, no seu próprio julgamento, e isso dificulta a nossa preparação para o momento da morte - o momento em que todos os nossos poderes nos abandonarão. Até a nossa mente maravilhosa, na qual depositamos toda a nossa confiança, nos abandonará. Será que alguma coisa poderá ajudar-nos a enfrentar sem medo a hora da nossa morte, quando estaremos desamparados e sem ajuda humana? É possível aprender a morrer?
Sentimos o gosto da morte cada vez que algo nos angustia ou ameaça a nossa vida, ou nos esmaga. Tais tristezas e dificuldades são boas oportunidades para adquirir uma atitude correta em relação à morte. A morte é um facto da vida, mas a forma como morremos é muito menos importante do que a forma como a abordamos.
Em um de seus livros, Pe. Sofrônio de Essex conta a seguinte história. Em Paris, onde morou por algum tempo, conheceu duas jovens irmãs. Uma era muito inteligente, médica, enquanto a outra era mais simples, enfermeira de profissão. As duas mulheres, que tinham quase a mesma idade, casaram-se na mesma época e também ficaram grávidas na mesma época.
Na época, era costume que as gestantes assistissem a aulas sobre parto sem dor, e ambas as futuras mães faziam isso. A médica conhecia anatomia e rapidamente entendeu o assunto. Depois de algumas aulas, ela disse: "Já chega, entendi tudo e não preciso continuar". A outra irmã seguiu o curso até o fim. Chegou a hora de ambas darem à luz. Desde as primeiras dores do parto, a médica entrou em pânico. Ela esqueceu tudo sobre anatomia e tudo o que havia aprendido, e seu parto foi difícil e doloroso. A irmã, por outro lado, não confiou na própria inteligência, mas lembrou o que aprendeu nas aulas, colocou em prática e deu à luz com relativa facilidade. A conclusão que podemos tirar da história é óbvia.
Nossa morte é nosso nascimento para a vida eterna. Nossos esforços para aprender a orar, a ser humildes, a ter confiança, não em nós mesmos, mas em Deus, têm apenas um objetivo: treinar-nos para o grande dia da nossa morte. E em que Deus aprendemos a confiar? "Em Deus que ressuscita os mortos" (2 Coríntios 1:9). É Ele quem queremos conhecer, e é Nele que queremos confiar quando chegar a hora, quando nossos poderes corporais nos falharem, quando estivermos além da ajuda humana. A única coisa que nos ajudará então será a atitude de espírito que cultivamos, pela qual não confiaremos mais em nós mesmos, mas somente em Cristo, que morreu e ressuscitou, que é, portanto, capaz de ressuscitar os mortos, pois Nele "a morte não tem mais domínio" (Romanos 6:9).
Morremos e eis que vivemos novamente em Jesus Cristo. Esta vida transitória que nos foi dada é de grande significado: é a nossa oportunidade de lutar para nos prepararmos para o grande e santo momento do nosso encontro com Deus – o dia do nosso verdadeiro nascimento no reino celestial que não pode ser movido (cf. Hb 12.28). Nossa entrada na eternidade é nosso aniversário, e se quisermos celebrar nosso aniversário celestial com honra e participar do festival dos recém-nascidos no céu, quando a refeição da noite terminar, entremos em nosso quarto, em vez de ficarmos sentados e conversando agradavelmente. Em vez disso, apresentemo-nos diante de Deus de acordo com as nossas forças, conscientes da terrível hora da nossa morte, e digamos:
"Senhor, na hora da minha morte estarei desamparado e incapaz de orar, e por isso te imploro, lembra-te de mim. Agora, enquanto posso, imploro a Tua ajuda naquela hora. Seja misericordioso, ó Senhor, e naquela hora terrível em que minhas forças me faltarão e eu não poderei mais clamar a Ti, quando nem anjo nem homem serão capazes de estender uma mão amiga para mim, venha em meu auxílio e conceda-me a indizível alegria da Tua salvação."
Assim, antecipamos o momento da nossa morte em oração.
Esta oração permanecerá com o Senhor, e o Senhor, que nunca nos abandona, considerará a nossa oração. Este é um ótimo exercício para aprender a morrer. Pois é com tais pensamentos que nos últimos momentos da nossa vida, enquanto a nossa alma se afasta do nosso corpo e todas as nossas forças são gastas, que nós, tanto monges como leigos, devemos estar diante do Senhor e implorar-Lhe tanto quanto formos capazes.
Algo semelhante ocorre toda vez que cortamos a nossa própria vontade, porque a nossa vontade própria é prejudicial para nós. Assim, aprendemos a depositar a nossa confiança no Nome d'Aquele em Quem a salvação nos foi concedida, e não na nossa própria razão ou capacidades. Este é, na verdade, um exercício muito valioso porque nos ensina a morrer antes de morrer, para que quando finalmente a morte chegar, possamos encará-la, não com medo e confusão, mas como um amigo querido, um longo - aguardado parente que agora nos libertará das aflições e do tédio desta vida, para que possamos entrar mais plenamente na vida eterna, aquela forma de existência que é ao mesmo tempo mais verdadeira e melhor do que qualquer coisa que já conhecemos.
Há muitos que temem a morte. Algumas pessoas até não gostam que falemos sobre Deus e a morte na presença delas. Isso é algo doloroso porque essas pessoas temem a morte porque não estão dispostas a ponderar sobre o Único Deus verdadeiro. Elas inventam suas próprias crenças (já que precisam ter algo em que se apoiar) e criam suportes ilusórios...
A morte não tem misericórdia daqueles que a temem e dela se escondem. Mas a morte foge daqueles que a perseguem destemidamente e ficam diante dela, lembrando-se de Deus e invocando-O, suplicando-Lhe que esteja com eles naquela hora, para que quando finalmente o momento da morte se aproximar, ela possa chegar de forma pacífica e sem dor.
Nosso treinamento terá sucesso se aceitarmos a hora de nossa morte como o maior e mais sagrado momento de nossa vida, tendo lidado incessantemente com este momento em nossa mente, tendo preparado nossa defesa de antemão, para que nossa proteção para esse grande dia possa ser assegurada antecipadamente. Quem ora a Deus diariamente, com fervor de coração e com lágrimas, pedindo que Ele esteja ao seu lado na hora de sua morte, terá todas as suas orações devolvidas a ele como uma grande bênção e alegria naquele exato momento. E as palavras: "Entra no gozo do teu Senhor" (Mateus 25:21), serão cumpridas nele.
A oração é a melhor preparação para o momento da morte, porque, através da oração, permanecemos na presença do Senhor ainda nesta vida.
Tentamos manter o nosso espírito na Sua presença, invocando o Nome de Jesus com humildade e atenção, e sabemos que a Sua presença é dinâmica. Mas muitas vezes acontece que invocamos o Senhor, desejando entrar na Sua presença apenas para nos descobrirmos incapazes de fazê-lo; é como se estivéssemos batendo no ar. Então percebemos que a culpa está na nossa atitude e que invocamos o Seu Nome de uma maneira indigna.
Devemos então inclinar a cabeça e, inclinando ainda mais a mente, digamos:
"Senhor, eu peco contra Ti, mesmo quando invoco o Teu Nome. Ensina-me a Tua humildade! Dá-me, ó Senhor, uma mente perspicaz para que eu possa invocar dignamente o Teu Santo Nome!"
E então começamos a sentir que quanto mais humilhamos o nosso espírito diante do Senhor, maior será o poder da oração que nos é dada do Alto. Assim, a hora de oração torna-se um exercício de como entrar na presença do Senhor, como estar diante Dele, e aprendemos que a nossa permanência com Ele deve ser forte, ativa e luminosa.
Não deixemos de humilhar o nosso espírito. Se adquirirmos esse abençoado hábito, muitas de nossas falhas serão corrigidas. Por exemplo, pode vir à mente o pensamento de que entristecemos o nosso irmão, e sabemos que, para agradar a Deus e permanecer na Sua presença, devemos reconciliar-nos com a pessoa que entristecemos. Para entrar no Paraíso é preciso ter um coração tão amplo quanto os céus, um coração que abrace todos os homens. Se um coração excluir uma só pessoa, não será aceito pelo Senhor porque Ele não poderá habitar nele. A oração, como diz o Pe. Sofrônio de Essex diz, é uma criação sem fim; é uma escola que nos ensina a permanecer na presença do Senhor. Este esforço para permanecer com o Senhor é um exercício que finalmente vence a morte, por isso a nossa oração não deve ser superficial nem mecânica.
Devemos unir mente e coração para aprender a verdadeira oração mental, ou seja, devemos orar com todo o nosso ser interior, com toda a nossa mente e coração. Como pode Deus dar ouvidos à nossa oração se nem sequer concordamos com as palavras que dizemos? E como podemos concordar com as palavras quando não prestamos atenção ao seu significado? Se quisermos que Deus ouça o nosso apelo, devemos primeiro estar totalmente presentes nas palavras que lhe oferecemos. É bom que a nossa mente esteja entronizada no nosso coração e, ao oferecermos os nossos pensamentos ao Senhor, as nossas palavras serão sinceras e, portanto, pronunciadas com atenção, uma por uma. Tenho certeza de que se decidirmos orar assim, então Deus será nosso Mestre. Como o próprio Senhor diz: "Todos serão ensinados por Deus" (João 6:45).
O próprio Senhor nos educará, permitindo-nos sentir Sua presença em nossos corações. E ao fazer tudo o que podemos para preservar a Sua presença dentro de nós, logo aprendemos quais pensamentos aceitar e quais rejeitar.
A oração é uma escola e a humildade é a chave para o sucesso nesta disciplina.
Mas é útil conhecer a nossa medida, para não nos aproximarmos de Deus com espírito de audácia, tendo presente que essencialmente não somos nada diante do Senhor. Se permanecermos em oração com humilde inclinação de coração e espírito, suplicaremos ao Senhor as coisas que forem apropriadas à nossa pobreza. Peçamos sinceramente o perdão dos nossos pecados, a dissipação da nossa ignorância, e por outras coisas humildes...
Na nossa juventude, raramente pensamos na morte. Mais tarde, poderemos ponderá-la de forma bastante intelectual e abstracta, mas à medida que os anos se multiplicam e os problemas da velhice começam, contemplamos os sinais de alerta deste grande acontecimento, porque afetam a nossa vida quotidiana de uma forma tangível. Em Sua benignidade, o Senhor planejou nossa vida de tal maneira que possamos tomar consciência e estar preparados para a morte quando chegar a nossa hora.
"Esteja comigo, Senhor, naquela hora terrível e conceda-me a alegria da salvação"
diz Pe. Sofrônio de Essex em sua Oração Matinal. Em outras palavras:
"Dá-me, ó Senhor, naquela hora sagrada, a alegria e o deleite da Tua salvação, do meu verdadeiro nascimento no Teu reino".
Esta era a oração matinal do Ancião Sofrônio; assim ele mantinha sempre em sua mente a aproximação de sua última hora, desde os primeiros momentos de cada dia.
Assim poderemos também nós ensaiar a hora da nossa morte, para que, quando finalmente chegar, possamos vivê-la com verdadeira alegria. Na verdade, cultivar uma disposição deste tipo em nossa oração é o melhor exercício espiritual: se aprendermos a morrer antes que a morte chegue até nós, então, quando chegar a hora de nossa morte, não morreremos, mas viveremos eternamente com Deus.
Excerpts from the chapter "The Hour of Death" from the book "The Hidden Man of the Heart". Tradução livre: oracaodejesus.com