Relatos de um Peregrino Russo

Relatos de um Peregrino Russo

Primeiro Relato: Aprendizado da Oração

Pela graça de Deus sou homem e cristão, por ações grande pecador, por estado peregrino sem abrigo, da mais baixa condição, sempre errando de lugar em lugar. Como pertences, trago sobre os ombros um saco com pão seco, em meu bolso a santa Bíblia, e isto é tudo. No vigésimo quarto domingo após a Trindade, eu entrei na igreja para ali rezar durante o ofício; estava sendo lida a Epístola do Apóstolo aos Tessalonicenses, na passagem em que é dito: Orai sem cessar. Estas palavras penetraram profundamente em meu espírito e eu me perguntei como é possível orar sem cessar quando cada um deve ocupar-se de diversos trabalhos para manter sua própria vida. Eu procurei na Bíblia e li com meus olhos exatamente o que eu havia escutado: é preciso orar sem cessar, rezar com o espírito em todas as ocasiões, em todo lugar erguer as mãos suplicantes. Eu refleti muito, mas não sabia o que decidir.

– O Que fazer? pensava. Onde encontrar alguém que possa me explicar essas palavras? Irei às igrejas nas quais pregam homens de renome, e talvez aí eu encontre o que procuro. Assim, coloquei-me a caminho. Eu ouvi muitos e excelentes sermões sobre a prece. Mas eram todos instruções sobre a prece em geral: o que é a prece, porque é preciso orar, quais são os frutos da oração. Mas como chegar a orar verdadeiramente – disto ninguém falou nada. Eu escutei um sermão sobre a prece em espírito e a prece perpétua; mas não se indicava o modo de se chegar a esta prece. Assim, a frequência aos sermões não me trouxe o que eu desejava. Deixei, portanto, de ir às pregações e me decidi a buscar com a ajuda de Deus um homem sábio e experiente que me explicasse esse mistério, pois era para isto que meu espírito sentia-se invencivelmente atraído.

Por muito tempo caminhei; eu lia a Bíblia e me perguntava se não encontraria em algum lugar um mestre espiritual ou um guia sábio e cheio de experiência. Uma vez disseram-me que num vilarejo vivia há muito tempo um fidalgo que trabalhava por sua salvação: ele construíra perto de si uma capela, jamais saía de casa e sem cessar orava a Deus ou lia livros espirituais. Com esta informação, eu parei de andar e comecei a correr até o vilarejo; lá chegando, dirigi-me a este senhor.

– O que deseja de mim?, perguntou-me.

– Soube que é um homem sábio e piedoso; por isso eu lhe peço em nome de Deus que me explique o que significam estas palavras do Apóstolo: Orai sem cessar, e como é possível orar assim. É isto que desejo compreender e até o momento não tenho conseguido alcançar.

O fidalgo permaneceu em silêncio, olhou-me atentamente e disse:

– A oração interior é o esforço incessante do espírito humano para atingir a Deus. Para obter sucesso neste benéfico exercício, convém pedir com muita constância ao Senhor para que nos ensine a orar sem cessar. Reze mais e com mais zelo, a prece o fará compreender por si só como torná-la perpétua; mas para tanto será preciso muito tempo.

Com estas palavras, ele me fez servir uma refeição, deu-me algumas coisas para o caminho e me deixou. Mas ele não havia me explicado nada.

Retomei meu caminho; eu pensava, eu lia, eu refletia como podia sobre o que me dissera o fidalgo e no entanto era-me impossível compreender; mas eu tinha tanto desejo de chegar a esta compreensão, que minhas noites passavam sem sono. Após haver percorrido grande distância, cheguei a uma capital de província. Ao longe divisei um mosteiro. Na hospedaria disseram-me que neste mosteiro vivia um superior piedoso, caritativo e hospitaleiro. Fui até ele. Recebeu-me com bondade, fez com que me sentasse e ofereceu-me algo para comer.

– Santo padre!, disse-lhe eu, não tenho necessidade de refeição, mas queria que me desse um ensinamento espiritual: como chegar à salvação?

– Como obter a salvação? Pois bem, viva segundo os mandamentos, ore a Deus e será salvo!

– Eu escutei que devemos orar sem cessar, mas não sei como orar sem parar e sequer consigo entender o que significa a prece perpétua. Eu lhe peço, meu pai, que me explique isto.

– Eu não sei, meu irmão, como explicar-lhe melhor. Mas espere! Eu tenho um livrinho no qual isto está exposto; e ele trouxe a Instrução espiritual do homem interior de são Dimitri. Aqui está, leia esta página.

Eu comecei a ler o que se segue:

"Estas palavras do Apóstolo: é preciso orar sem cessar, aplicam-se à prece feita com a inteligência; a inteligência, de fato, pode estar constantemente mergulhada em Deus e rezar a ele sem cessar."

– Explique-me de que modo a inteligência pode estar permanentemente mergulhada em Deus sem distração e orando sem cessar.

– Isto é uma coisa muito difícil, se Deus não a tornar um dom de si, disse o superior.

Mas ele não havia me explicado nada.

Eu passei ali a noite e, na manhã seguinte, tendo-o agradecido por sua amável acolhida, coloquei-me de novo a caminho sem saber muito bem aonde ir. Estava triste com minha incompreensão e para me consolar, eu lia a santa Bíblia. Desta maneira caminhei pela estrada por cinco dias; enfim, num entardecer, encontrei um velhote que tinha um certo ar religioso.

À minha indagação, ele respondeu-me que era monge e que o retiro em que vivia com alguns irmãos ficava a dez verstas da estrada; ele me convidou a ficar com eles.

– Em nossa morada, disse-me, recebemos os peregrinos, cuidamos deles e os alimentamos como em um albergue.

Eu não estava muito disposto a ir até lá, e lhe disse:

– Meu repouso não depende de hospedagem, mas de um ensinamento espiritual; eu não procuro comida, pois tenho bastante pão seco em minha sacola.

– Mas que tipo de ensinamento você procura, e o que deseja compreender melhor? Venha, venha conosco, caro irmão; nós temos staretz (monges) experientes que poderão lhe dar uma direção espiritual e guiá-lo sobre o caminho verdadeiro para a luz da palavra de Deus e dos ensinamentos dos Padres.

– Veja, meu pai, faz quase um ano que, estando presente ao ofício, ouvi este mandamento do Apóstolo: Orai sem cessar. Não sabendo o que entender destas palavras, pus-me a ler a Bíblia. Lá também, em muitas passagens, encontrei o mandamento de Deus: é preciso orar sem cessar, sempre, em todas as ocasiões, em todos os lugares, não apenas durante a jornada de trabalho, não apenas durante a vigília, mas também durante o sono: Eu durmo, mas meu coração vigia. Isto muito me espantou e não pude compreender como cumprir tal coisa e quais são os meios de o conseguir; um violento desejo e a curiosidade despertaram em mim: dia e noite estas palavras não saíam de meu espírito. Assim comecei a frequentar as igrejas: escutei sermões e sermões sobre a prece; cansei-me de escutar, mas neles não encontrei como orar sem cessar; falava-se sempre da preparação para a prece e seus frutos, sem ensinar como orar sem cessar, nem o que significa uma tal oração. Li muitas vezes a Bíblia e nela encontrei o que havia ouvido; no entanto não atingi a compreensão desejada. E, depois de tanto tempo, permaneço incerto e inquieto.

O monge fez o sinal-da-cruz e tomou a palavra:

– Agradeça a Deus, irmão bem amado, por ter revelado a você uma atração irresistível para a prece interior perpétua. Reconheça nisto o chamado de Deus e acalme-se pensando que desta forma a concordância da sua vontade com a palavra divina foi devidamente provada; foi-lhe dado entender que não é a sabedoria deste mundo nem um vão desejo de conhecimentos que conduz à luz celeste – a prece interior perpétua – mas ao contrário é a pobreza de espírito e a experiência ativa na simplicidade do coração.

Por isso você não deve se espantar de não ter entendido nada de profundo sobre o ato de rezar e por não ter aprendido como chegar a esta atividade perpétua. Na verdade, fala-se muito sobre a oração e existem inúmeras obras recentes escritas a respeito, mas todos os julgamentos dos seus autores estão fundamentados sobre a especulação intelectual, sobre os conceitos da razão natural e não sobre a experiência alimentada pela ação; eles falam mais dos atributos da prece do que de sua essência própria. Um explica muito bem porque é necessário rezar; outro fala do poder e dos efeitos benéficos da prece; um terceiro, das condições necessárias para bem orar, ou seja o zelo, a atenção, o calor do coração, a pureza de espírito, a humildade, o arrependimento que é preciso para se por a rezar. Mas o que é a oração e como aprender a orar – a estas questões que no entanto são essenciais e fundamentais, raramente encontramos resposta entre os pregadores destes tempos; pois elas são mais difíceis do que todas as suas explicações e demandam não um saber escolar mas um conhecimento místico. E, coisa ainda mais triste, esta sabedoria elementar e vã os leva a medir a Deus com uma escala humana. Muitos cometem um grande erro, ao pensarem que os meios preparatórios e as boas ações engendram a oração, enquanto que na verdade é a oração a fonte das obras e das virtudes. Eles tomam erradamente os frutos ou as conseqüências da prece pelos meios de chegar a ela, e assim diminuem sua força. Trata-se de um ponto de vista inteiramente oposto à Escritura, pois o apóstolo Paulo fala assim da oração: Eu lhes recomendo orar acima de tudo.

É assim que o Apóstolo coloca a oração acima de tudo. Muitas boas obras são requeridas ao cristão, mas a obra da prece está acima de todas as outras, pois, sem ela, nenhum bem pode cumprir-se. Sem a oração freqüente, não podemos encontrar o caminho que conduz ao Senhor, conhecer a Verdade, crucificar a carne com suas paixões e seus desejos, sermos iluminados no coração pela luz de Cristo e nos unirmos a ele na salvação. Eu digo freqüente, pois a perfeição e a correção da nossa prece não dependem de nós, como também diz o apóstolo Paulo: Não sabemos o que pedir. Apenas a freqüência foi deixada em nosso poder como meio de atingirmos a pureza da oração que é a mãe de todos os bens espirituais. Adquira a mãe e você terá uma descendência, diz são Isaac o Sírio, ensinando que é preciso antes adquirir a oração para podermos depois colocar em prática as virtudes. Mas os que estão pouco familiarizados com a prática e os ensinamentos misteriosos dos Padres conhecem mal essas questões e pouco falam delas.

Assim conversando, imperceptivelmente chegamos ao retiro. Para não me separar deste sábio ancião e satisfazer o quanto antes meu desejo, apressei-me em dizer-lhe:

– Eu lhe peço, pai venerável, explique-me o que é a prece interior perpétua e como posso aprendê-la; vejo que você tem uma experiência profunda e segura.

O monge acolheu meu pedido com vontade e convidou-me a ficar:

– Venha comigo, eu lhe darei um livro dos Padres que lhe permitirá compreender claramente o que é a oração e a entendê-la com a ajuda de Deus.

Entramos em sua cela e o monge dirigiu-me as seguintes palavras:

– A interior e constante oração de Jesus é a invocação contínua e ininterrupta do nome de Jesus com os lábios, com coração e com a inteligência, no sentimento de sua presença, em todo lugar e todo tempo, mesmo durante o sono. Ela é expressa por estas palavras:

– Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim!

Aquele que se habitua com esta invocação sente um grande consolo e a necessidade de dizer sempre esta oração; ao final de algum tempo, ele não pode mais passar sem ela e ela brota nele por si mesma. Compreende agora o que é a prece perpétua?

– Compreendo perfeitamente, meu pai! Em nome de Deus, ensine-me agora como chegar a isto, exclamei cheio de alegria.

– Como aprender a oração, isto o veremos neste livro. Ele se chama Filocalia. Ele contém a ciência completa e detalhada da prece interior perpétua exposta por vinte e cinco Padres; ele é tão útil e tão perfeito que é considerado como o guia essencial da vida contemplativa e, como diz o bem-aventurado Nicéforo, "ele conduz à salvação sem pena e sem dor".

– Será ele mais elevado do que a santa Bíblia?, perguntei.

– Não, ele não é mais elevado nem mais santo do que a Bíblia, mas ele contém explicações luminosas de tudo o que permanece misterioso na Bíblia em razão da fraqueza de nosso espírito, cujo alcance não chega a estas alturas. Eis uma imagem: o sol é um astro majestoso, brilhante e soberbo; mas não podemos observá-lo a olho nu. Para contemplar este rei dos astros e suportar seus raios inflamados, é preciso empregar um vidro artificial, infinitamente menor e menos brilhante do que o sol. Pois bem, a Escritura é este sol resplendente e a Filocalia o pedaço de vidro. Veja agora, eu vou ler-lhe como exercer a oração interior perpétua.

O monge abriu a Filocalia, escolheu uma passagem de São Simeão o Novo Teólogo e começou:

– "Permaneça sentado no silêncio e na solidão, incline a cabeça, feche os olhos; respire mais devagar, olha com sua imaginação o interior do seu coração, concentra tua inteligência, ou seja seu pensamento, da tua cabeça para o teu coração. Diga ao respirar: "Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim", em voz baixa, ou simplesmente em espírito. Esforce-se por afastar todos os pensamentos, seja paciente e repita muitas vezes este exercício."

Depois o monge explicou-me tudo com exemplos e lemos ainda na Filocalia as palavras de São Gregório o Sinaíta e dos bem-aventurados Calixto e Inácio. Tudo o que líamos, o monge me explicava nos seus termos. Eu escutava com atenção e enlevo e esforçava-me por fixar todas estas palavras em minha memória com a maior exatidão. Passamos assim toda a noite e fomos às matinas sem termos dormido.

O monge, despedindo-se de mim, abençoou-me e me disse para voltar, durante meus estudos sobre a oração, para me confessar com franqueza e simplicidade de coração, porque é vão atirar-se à obra espiritual sem guia.

Na igreja, senti em mim um zelo ardente que me empurrava a estudar com cuidado a prece interior perpétua, e eu pedia a Deus que me ajudasse. Depois eu pensei que seria difícil voltar a ver o monge para me confessar ou para pedir-lhe conselho. Na hospedagem, não poderia ficar mais do que três dias, e nas proximidades do retiro não havia abrigo... Felizmente, fiquei sabendo que havia um vilarejo perto dali. Lá fui eu em busca de um lugar para ficar e, para minha felicidade, Deus me favoreceu. Pude me empregar como guarda para um camponês, com a condição de passar todo o verão isolado numa cabana nos fundos da horta. Graças a Deus, encontrara um local tranqüilo. Assim, pus-me a viver e estudar do modo indicado a prece interior, indo visitar o monge muitas vezes.

Durante uma semana, exercitei-me na solidão de meu jardim ao estudo da prece interior, seguindo exatamente os conselhos do monge. No começo, tudo parecia ir bem. Depois eu comecei a sentir um grande peso, preguiça, enjôo, um sono insuperável e os pensamentos caíram sobre mim como nuvens. Corri ao monge cheio de angústia e expus-lhe meu estado. Ele me recebeu com bondade e me disse:

– Bem amado irmão, esta é a luta que o mundo escuro trava contra você, pois não há nada que ele tema mais do que a oração do coração. Ele tenta torturá-lo e fazê-lo desgostar da oração. Mas o inimigo não age senão conforme a vontade e a permissão de Deus, na medida em que isto nos é necessário. Sem dúvida é preciso que sua humildade ainda seja posta à prova: ainda é cedo para que você atinja os umbrais do coração através de um zelo excessivo, porque você se arriscaria a cair na avareza espiritual. Vou ler-lhe o que diz a Filocalia a respeito.

O monge procurou nos ensinamentos do monge Nicéforo e leu:

– "Se, malgrado seus esforços, meu irmão, você não conseguir penetrar na região do coração, como eu recomendei, faça o que eu lhe digo e, com a ajuda de Deus, você encontrará aquilo que procura. Você sabe que a faculdade de locução de todo homem reside em seu peito... Retire então todos os pensamentos desta faculdade (você pode, se quiser) e dê a ela o "Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim". Esforce-se para substituir por esta invocação interior todos os outros pensamentos e, com o tempo, isto certamente abrirá as portas do coração. Este é um fato provado pela experiência."

– Veja o que ensinam os Padres neste caso, disse-me o monge. É por isso que você deve aceitar este mandamento com confiança e recitar tanto quanto puder a prece de Jesus. Aqui está um rosário com o qual você poderá fazer inicialmente três mil orações por dia. De pé, sentado, deitado ou caminhando, diga sem cessar: "Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim!", lentamente e sem pressa. Recite exatamente três mil orações por dia sem acrescentar ou retirar nenhuma. É assim que você alcançará a atividade perpétua do coração.

Recebi com alegria estas palavras do monge e voltei para minha cabana. Fiz exata e fielmente o que ele me havia ensinado. Durante dois dias tive alguma dificuldade, mas depois a coisa se tornou tão fácil que quando eu não dizia a oração, sentia como que uma necessidade de retomá-la e ela fluía com facilidade e leveza sem nada que a impedisse do começo.

Contei isto ao monge, que me ordenou recitar seis mil orações por dia e disse:

– Não se preocupe e esforce-se apenas por manter fielmente o número de orações que eu lhe prescrevi: Deus será misericordioso com você.

Durante uma semana, eu permaneci em minha cabana solitária recitando diariamente minhas seis mil orações sem me preocupar com nada além e sem ter que lutar contra os pensamentos. Procurei apenas observar exatamente as ordens do monge. O que aconteceu? Eu me habituei de tal modo com a oração que, se eu me detivesse por um curto instante, sentia um vazio como se houvesse perdido alguma coisa; assim que retomava a oração, sentia-me outra vez leve e feliz. Se eu encontrasse com alguém, não sentia mais vontade de falar, eu queria apenas estar a sós e recitar a oração, tanto havia me habituado ao cabo de uma semana.

O monge, que não me via há dez dias, veio pessoalmente saber das novidades. Expliquei-lhe o que me acontecia. Depois de me escutar, ele disse:

– Você habituou-se à oração. Veja, agora você deve manter este hábito e fortalecê-lo: não perca tempo e, com ajuda de Deus, tome a resolução de rezar doze mil orações por dia; permaneça na solidão, levante-se um pouco mais cedo, durma um pouco mais tarde e venha ver-me duas vezes por mês.

Conformei-me às ordens do monge e, no primeiro dia, foi com muita dificuldade que cheguei às minhas doze mil orações, que terminei tarde da noite. No dia seguinte consegui com mais facilidade e com prazer. No começo eu senti fadiga, uma espécie de enrijecimento da língua e um ardor nos maxilares, mas sem nada de desagradável; depois senti um ligeiro incômodo no palato, em seguida no punho da mão esquerda que segurava o rosário, enquanto meu braço aquecia-se até o cotovelo, produzindo uma sensação deliciosa. E isto só fez incitar-me a recitar ainda melhor a prece. Assim, durante cinco dias eu executei fielmente as doze mil orações e, ao mesmo tempo em que adquiria o hábito, recebia o gosto e o agrado pela prece.

Numa bela manhã, eu fui como que despertado pela oração. Comecei a dizer minhas orações da manhã, mas minha língua se embaraçava e eu não tinha outro desejo do que o de recitar a prece de Jesus. Assim que a retomei, fiquei imediatamente feliz e meus lábios começaram a murmurá-la sem esforço. Passei todo dia na maior felicidade. Estava como que separado de tudo e sentia-me em outro mundo. Terminei sem dificuldade minhas doze mil orações antes do final do dia. Eu bem gostaria de continuar, mas não ousei ultrapassar a número indicado pelo monge. Nos dias que se seguiram, continuei a invocar o nome de Jesus Cristo, com facilidade e sem jamais me cansar.

Fui ver o monge e contei-lhe tudo isso em detalhe. Quando eu terminei, ele disse:

– Deus lhe deu o desejo de orar e a possibilidade de fazê-lo sem dificuldade. Este é um efeito natural produzido pelo exercício e pela constante aplicação, assim como um moinho a cuja mó imprimimos um movimento continua a girar por si mesmo se o deixarmos; mas, para que ele permaneça em movimento, é preciso engraxá-lo e dar-lhe vez por outra um novo impulso. Você pode ver agora as qualidades maravilhosas com que o Deus amigo dos homens dotou nossa própria natureza sensível; e você experimentou as sensações extraordinárias que podem nascer mesmo na alma pecadora, na natureza impura ainda não iluminada pela graça. Mas que grau de perfeição, de alegria e de enlevo atinge o homem quando o Senhor lhe concede revelar a prece espiritual espontânea e purificar sua alma das paixões! É um estado inexprimível e a revelação deste mistério é um antegozo da doçura celeste. Este é o dom que recebem aqueles que buscam o Senhor na simplicidade de um coração transbordante de amor!

Daqui para frente, eu permito a você recitar quantas orações quiser; experimente consagrar todo o tempo da vigília à prece e invoque o nome de Jesus sem mais contar, remetendo-se humildemente à vontade de Deus e esperando seu socorro; ele não o abandonará e guiará seu caminho.

Obedecendo a esta regra, passei todo o verão recitando sem cessar a prece de Jesus e senti-me inteiramente tranqüilo. Durante o sono, algumas vezes chegava a sonhar que recitava a oração. E durante o dia, quando me acontecia encontrar pessoas, elas me pareciam tão amáveis como se fossem de minha família. Mas eu não permanecia com elas. Meus pensamentos estavam apaziguados e eu não vivia senão com a oração; eu começava a inclinar meu espírito a escutar e de vez em quando meu coração sentia por si só um calor e uma grande alegria. Quando me ocorria entrar na igreja, o longo silêncio da solidão me parecia curto e já não me deixava como antes. A cabana solitária me parecia um esplêndido palácio e eu já não sabia como agradecer a Deus por ter enviado a mim, pobre pecador, um monge com ensinamentos tão benéficos.

Mas eu não pude desfrutar por muito tempo da orientação do meu bem amado e sábio monge – ele morreu no final do verão. Despedi-me dele com lágrimas e, agradecendo-o por seus ensinamentos paternais, pedi-lhe que me deixasse, como uma bênção, o rosário com o qual ele orava todos os dias. E assim fiquei só. O verão terminou, colhemos os frutos do jardim. Eu já não tinha onde morar. O camponês me deu dois rublos de prata como pagamento, encheu minha sacola com pão seco para a viagem e eu retomei minha vida errante; mas eu já não estava necessitado como antes. A invocação do nome de Jesus Cristo me alegrava ao longo da marcha e todos me tratavam com bondade; parecia que todos estavam dispostos a amar-me.

Um dia eu me perguntei sobre o que faria com os rublos que me dera o camponês. Para que me serviriam? Sim! Eu já não tinha o monge, nem ninguém para me guiar; portanto, iria adquirir um exemplar da Filocalia e com ela estudar a prece interior. Fiz o sinal da cruz e retomei o caminho orando. Cheguei a uma capital provincial e comecei a procurar a Filocalia pelas lojas; encontrei uma, mas o comerciante queria três rublos por ela e eu não possuía senão dois; tentei negociar, mas ele não quis fazer nenhum abatimento; enfim, ele me disse:

– Vá a esta igreja, pergunte pelo sacristão; ele tem um velho livro como este, que talvez lhe ceda por dois rublos.

Lá fui eu e, com efeito, adquiri por dois rublos uma Filocalia bastante velha e estragada; fiquei felicíssimo. Acomodei-a como pude em um pano e a pus em meu bornal junto com a Bíblia.

Eis como vou agora, dizendo sem cessar a Oração de Jesus, que me é mais cara e doce do que tudo no mundo. Às vezes, eu caminho grandes distâncias num dia e nem sinto que estou indo; eu sinto somente que recito a oração. Quando um frio violento me colhe, eu recito a oração com mais atenção e logo me sinto aquecido. Se a fome fica muito forte, invoco mais vezes ainda o nome de Jesus Cristo e já não me lembro dela. Se me sinto doente ou se minhas costas ou minhas pernas me supliciam, eu me concentro na prece e já não sinto dor. Quando alguém me ofende, eu não penso senão na benfazeja oração de Jesus; logo desaparece a cólera ou a pena e eu esqueço tudo. Meu espírito se tornou muito simples. Não tenho necessidade de nada, nada me ocupa, nada do que é exterior me retém, eu gostaria de estar todo o tempo a sós. Como hábito, eu não tenho senão um cuidado: recitar a oração sem cessar, e, quando o faço, estou feliz. Deus sabe o que se passa dentro de mim. Naturalmente, tudo isso não passa de impressões sensíveis ou, como dizia o monge, do efeito da natureza e de um hábito adquirido; mas eu não ouso ainda dedicar-me ao estudo da prece espiritual no interior do coração, pois ainda sou demasiado indigno e bruto. Aguardo de Deus esta hora, esperando da prece de meu falecido monge. Assim, ainda não alcancei a oração espiritual do coração, espontânea e perpétua; mas, graças a Deus, compreendo agora claramente o que significam as palavras do Apóstolo que ouvira naquele dia: Orai sem cessar.