Sobre a Lembrança da Morte

Devemos lembrar que somos poeira e ao pó retornaremos. A meditação diária sobre essas realidades tem sido sustentada pelos Padres do Deserto como essencial para a vida espiritual e como um meio de evitar o pecado; mas sobretudo como forma de atender às palavras de nosso Senhor, que nos adverte que não conhecemos nem o dia nem a hora.

Sobre a Lembrança da Morte
Crânios pintados de monges do Ossuário de Neamt do século XV, parte de um Mosteiro Ortodoxo Romeno.

 

Aqui está a reflexão de um homem bem formado na sabedoria e tradição dos Santos Padres:

"Nunca devemos nos privar da contemplação da morte ou destas meditações... Todas estas contemplações criam vigilância na alma e purificam a mente... Essa contemplação é uma barreira para os maus pensamentos... Quando essa contemplação espiritual está dentro de nós, fechamos as portas aos maus pensamentos... Não deveriamos nunca parar de nos Lembrar da Morte. Os Santos Padres disseram que eles não foram dominados pela negligência em suas celas, porque traziam a Lembrança da Morte diante de Si, noite e dia. Os Padres continuamente pensavam: "Se hoje ou amanhã for o meu último dia, o que devo fazer?". Desta forma, essa Lembrança mantinha a mente no temor de Deus, e o temor de Deus iluminava sua consciência. O que virá com mais certeza do que a morte? É a coisa mais certa que cada pessoa encontrará... Devemos manter a Lembrança da Morte viva dentro de nós constantemente, para que, por meio desta lembrança salvífica, possamos evitar a morte da alma... Comprometa-se violentamente, diz o Senhor no evangelho, pois você não sabe quando o Noivo da vossa alma vos visitará, e ai daquele que Ele achar indolente e negligente da sua salvação: A verdade de Deus soa como uma trombeta de poder e diz: "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade!" Pois, que aproveita o homem se ganha o mundo inteiro e perde a sua própria alma, ou o que dará o homem em troca da sua alma? Lembre-se do seu fim e não pecará pelos séculos. "As riquezas não permanecem, a glória não acompanha ninguém ao outro mundo, porque quando a morte vem, todas estas coisas são obliteradas." Eis a verdade, que esmaga a mentira... Quando visitarmos nossa morada final, nossa sepultura, veremos com nossos próprios olhos toda a vaidade do homem, como fez Abba Sisoes quando viu o túmulo de Alexandre, o Grande, e clamou: "Ai, ai, ó morte! O mundo inteiro não era grande o suficiente para ti, Alexandre." Como então te encaixaste em dois metros de terra agora? "Minha criança, tenha cuidado com este mundo que é como um teatro. Pessoas ignóbeis no palco do teatro usam roupas de reis, magnatas, etc. e parecem ser diferentes do que realmente são e enganam o público. Mas quando o show acaba e eles tiram suas máscaras, então suas verdadeiras faces são reveladas".  (Abba Efraim - Conselhos da Montanha Sagrada)

Da mesma forma, São João Clímaco dedica o sexto passo de sua "Escada da Ascensão Divina" ao assunto e tem poderosas coisas a dizer sobre isso:

"Assim como o pão é o mais necessário de todos os alimentos, o pensamento da morte é o mais essencial de todos os trabalhos . . . O homem que vive diariamente com o pensamento da morte deve ser admirado, e o homem que se dá a ele por hora é certamente um santo."

Como Abba Efraim, ele oferece muitas razões convincentes para essa prática espiritual, bem como uma história de Hesíquio, para nossa edificação.

"Cada palavra é precedida pelo pensamento. E a Lembrança da Morte e dos pecados precede o choro e o pranto. Nem todo desejo de morte é bom. Alguns, constantemente pecando pela força do hábito, oram pela morte com humildade. E alguns, que não querem se arrepender, invocam a morte por desespero. E alguns, por causa da auto-estima, se consideram desapaixonados e, por algum tempo, não têm medo da morte. E alguns (se tais podem agora ser encontrados), através da ação do Espírito Santo, pedem a sua partida."

Alguns perguntam: "Por que, sendo a Lembrança da Morte tão benéfica para nós, Deus escondeu de nós o conhecimento da hora da morte?" - não sabendo que assim Deus realiza maravilhosamente a nossa salvação. Pois ninguém que conhecesse de antemão a hora de sua morte procederia imediatamente ao batismo ou à vida monástica; mas todos passariam os seus dias em iniqüidades, e somente no dia de sua morte, eles se aproximariam do batismo e do arrependimento.

E eu não posso ficar em silêncio sobre a história de Hesíquio. Ele passou a vida em completa negligência, sem prestar a menor atenção à sua alma. Ficou extremamente doente e, por uma hora, desfaleceu. E quando ele voltou a si, rogou a todos que o deixássemos imediatamente. E edificou a porta da sua cela, e permaneceu nela por doze anos, sem jamais dizer uma palavra a ninguém, e sem alimentar-se de outra coisa senão pão e água. E, permanecendo sempre imóvel, estava tão apaixonado pelo que havia visto em seu êxtase, que nunca mudou esse modo de vida, mas estava sempre fora de si, e em silêncio derramava lágrimas quentes. Mas quando ele estava prestes a morrer, abrimos a porta, e depois de muitas perguntas, isso foi tudo o que ouvimos dele:

"Perdoe-me, ninguém que tenha adquirido a Lembrança da Morte jamais poderá pecar."

Ficamos espantados ao ver que aquele que antes tinha sido tão negligente foi tão subitamente transfigurado por essa transformação abençoada. Nós reverentemente o sepultámos no cemitério perto do forte, e depois de alguns dias procuramos as suas relíquias sagradas, mas não as encontramos. Assim, pelo verdadeiro e louvável arrependimento de Hesíquio, o Senhor nos mostrou que Ele aceita aqueles que desejam se corrigir, mesmo depois de uma longa negligência.

Os Padres nos advertem da necessidade de nos arrependermos de nossa identificação com o mundo. Como diz o salmista:

"Quanto ao homem, seus dias são como a relva, ele floresce como uma flor do campo; o vento sopra sobre ele e ele se foi, e não conhecerá, daí em diante, o seu lugar."